Às vésperas das eleições, a sociedade brasileira se vê em um complexo labirinto. O eleitor está desafiado a fazer suas escolhas, e é importante ressaltar: são escolhas, no plural, pois além de ser preciso definir o voto para a presidência da república, deve-se escolher, entre os candidatos, quem merece ocupar o governo dos Estados, compor as assembleias legislativas e o Congresso Nacional. Para o eleitor que define seu voto ancorado na ideologia de um partido, a escolha parece ser tarefa menos difícil, mas há sempre o risco de se exercer a cidadania de modo limitado. Incontestavelmente, os partidos têm a maior responsabilidade pelo descrédito da política, em razão dos procedimentos duvidosos e modos cartoriais de atuação, com prejuízos para o bem comum. A política não pode ser entendida e praticada como se fosse um serviço a partidos e correligionários.
Muito mais do que envolver-se na disputa de legendas, o exercício da cidadania relaciona-se com algo bem diferente dos discursos e refrãos eleitoreiros. Uma sociedade política é aquela que promove o bem comum a partir da participação de todos. Porém, muitos consideram que o contexto político é caminho para alcançar vantagens pessoais. Ambicionam benefícios apenas para os que estão no poder. Ao restante da população, especialmente para quem é mais pobre, destina-se pouco, perpetuando situações de miséria. Sinais dessa concepção equivocada de política e, consequentemente, do exercício da cidadania, são as propagandas partidárias, em que candidatos buscam conquistar o eleitor a partir de ataques aos adversários. Quem se apega às legendas, acaba por protagonizar disputas sem qualquer tipo de reflexão, com certa semelhança ao que ocorre nas arquibancadas de estádios esportivos.
Esse cenário de equívocos no exercício da cidadania, e também do poder, revela falta de qualificada visão antropológica a respeito da sociedade. Os descompassos não ocorrem apenas no contexto da política partidária, mas incidem também nos âmbitos religioso e de outros segmentos contaminados pelas manipulações, instrumentalizados para atender a interesses de pequenos grupos de “amigos”. Consequentemente, a fé, os bens que são de propriedade do povo e a força das instituições são submetidos a dinâmicas medíocres, justificadas a partir de certas ideologias. Não se reconhece que a “lente” da ideologia, de qualquer natureza, permite apenas uma visão limitada, sem nitidez. Prevalecem, assim, conclusões que desconsideram a complexidade da sociedade e de suas instituições.
A chatice dos debates, restritos à troca de acusações e autoelogios, sem o aprofundamento de temas importantes, deriva também desse apego cego às legendas e às suas ideologias. Perde-se a oportunidade de se alcançar, a partir da troca de argumentos, um nível de inteligência que permita abrir novos caminhos, capazes de levar o país a novos patamares, necessários para o seu desenvolvimento. Mesmo diante dessas dificuldades, de um cenário distante do ideal, o cidadão deve estar atento. É verdade que o eleitor se perde num verdadeiro labirinto no exaustivo exercício de reflexão e diálogo para definir o voto. Mas é preciso perseverar, pois piora ainda mais a situação a omissão diante da responsabilidade de se votar bem.
O exercício da liberdade cidadã para escolher seus candidatos exige algo que ultrapassa a simpatia por quem se enquadra em determinado contexto ideológico-partidário. Também não se deve decidir o voto a partir da troca de favores. Critérios relevantes devem sustentar escolhas acertadas, para que sejam eleitas pessoas capazes de promover os consensos e entendimentos necessários à recuperação da máquina pública e à realização das reformas necessárias. Entre esses critérios, fundamental é verificar aqueles que têm competência, ampla visão de mundo e, principalmente, partilham valores relacionados à promoção da vida e da dignidade do ser humano.
Para os cristãos, os valores do Evangelho de Jesus Cristo são critérios inegociáveis. De cada pessoa, exige
-se profundo discernimento, envolvendo sensibilidade social e espiritual, para mais assertividade nas escolhas. Assim, talvez, seja possível encontrar a saída desse confuso labirinto eleitoral, para o bem da sociedade brasileira.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte